Na semana passada, durante as transmissões do campeonato mundial de atletismo, eu me deparei algumas vezes com um comentário peculiar e muitas vezes comum não apenas em transmissões deste tipo, mas em conversas e discussões sobre o tema.
O comentário em questão dizia que o atletismo era belo por ser um esporte democrático, onde países e atletas pobres também podiam se destacar.
Pois bem, o pensamento que este comentário me despertou foi o de que esta colocação carregava consigo um preconceito implícito. O preconceito de que estes atletas são beneficiados pela condição do esporte e não por serem os melhores, resultado de treinamento, capacidade e genética, que os torna tão elitistas quanto os atletas de qualquer outra modalidade.
Dizer que todos são especiais é o mesmo que dizer que ninguém o é. Dizer que todos tem a mesma oportunidade no esporte é uma ilusão. O esporte inclusive se baseia muito mais na desigualdade do que na igualdade. É sobre quem é o mais desigual, o que se diferencia da média, o melhor.
O treinamento, a alimentação, a preparação, os recursos. Tudo isso tem a função de fazer o atleta se sobresair em relação a seus adversários. A questão da igualdade tem de residir apenas em garantir que os atletas compitam sob as mesmas condições (pistas, quadras e piscinas) e sob as mesmas regras.
A partir disso o esporte cresce e se desenvolve apenas quando as condições de se diferenciar são garantidas aos atletas.
O atletismo então, também muito em função da diversidade de provas e exigências de capacidades físicas distintas em cada uma delas, favorece diferentes características, encontradas em diferentes povos e nações. Entretanto, como esporte, ele ainda privilegia os mais treinados, mais dedicados e mais capazes e eficientes, independente da modalidade mas, ainda sim, extremamente dependentes das condições de treinamento (financeiras, de estrutura e de conhecimento técnico), sejam para jamaicanos, quenianos ou norte americanos.
Dr. Sidônio Serpa na USP
Há 14 anos
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